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A opinião pública, através da imprensa, é frequentemente alertada pelos cientistas para a inconsistência das políticas públicas de apoio à ciência e em

José Costa

Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto

Ciência, Inovação e Desenvolvimento Económico

A opinião pública, através da imprensa, é frequentemente alertada pelos cientistas para a inconsistência das políticas públicas de apoio à ciência e em particular para os riscos de reduções drásticas na atribuição de bolsas de investigação e no financiamento de centros de investigação. Os responsáveis governamentais argumentam, por sua vez, que não se trata de reduções das verbas afetas à investigação, mas sim de uma reorientação da política científica. Subjacente a esta reorientação estaria uma visão mais utilitarista da ciência em que se privilegia o seu impacto nas empresas e na economia, o que gera o contra-argumento de que o excessivo utilitarismo das políticas de curto prazo prejudica o seu impacto no médio e longo prazo.

O sentimento por partes dos cientistas em relação a esta reorientação é bem expressa por João Caraça et al. (2008) num artigo do qual extraímos a citação abaixo. Escrevem os autores:

“Por um lado a ciência é mais útil do que nunca (como a Cinderela) no sentido de que o seu impacto no desempenho económico se tornou mais amplo, quer do lado da oferta quer do lado da procura. Do lado da oferta, a investigação em marketing e gestão tornou-se progressivamente mais importante para a inovação. Do lado da procura, mais empresas operando nos setores designados de baixa tecnologia precisam de recorrer à ciência quando desenvolvem novos produtos ou processos produtivos para se manterem competitivas.

Por outro lado, a ciência perdeu a sua posição de realeza como um reconhecido fator autónomo e dominante da inovação. Primeiro, a investigação sobre a inovação tem demonstrado que a ideia de que o investimento em ciência quase automaticamente gera descobertas facilmente transformadas em inovação é errada em maior parte dos casos. Segundo, aqueles que são responsáveis pela política científica, tecnológica e de inovação têm sido lentos a compreender isto, o que os levou ao desenvolvimento de novas regulações na universidade que as transformam nas “empregadas domésticas” da indústria.” (Caraça et al., 2008, pp. 1, tradução livre)

No texto citado é notória a perceção da inevitabilidade das transformações no papel da ciência mas também se manifesta o inconformismo com uma leitura demasiado utilitarista da ciência ao serviço da economia. A mudança do papel da ciência ao longo da segunda metade do século XX e início do século XXI foi, de facto, muito significativa.

As mudanças ocorridas foram tão substanciais que hoje faz mais sentido falar-se de política de inovação do que de política científica, tal é a subordinação desta em relação aos objetivos de desenvolvimento económico. Ao longo do século XX o enquadramento teórico do papel da ciência no desenvolvimento económico progressivamente evoluiu de uma visão em que a ciência tinha a centralidade de que falam Caraça et al. (2008) para uma perceção mais utilitarista da ciência. De uma visão em que o desenvolvimento económico decorria diretamente de uma grande empurrão da ciência (lado da oferta), progressivamente vai dar-se maior atenção ao lado da procura. O processo de inovação é visto na atualidade como um complexo de inter-relações representado por um modelo interativo de base territorial entre todos os agentes relevantes, quer do lado da oferta, quer do lado da procura. Para este desenvolvimento e reformulação do papel da ciência contribuiu uma maior atenção dada ao papel do território no processo de inovação. Essa nova perceção do papel do território tem implicações na definição dos objetivos e no desenho dos instrumentos de políticas de inovação. Adquirem grande centralidade o fomento das redes de cooperação empresarial e institucional, o desenvolvimento de plataformas de intermediação entre os universo empresarial e o universo de I&D, a regionalização da função de investigação e o fomento do potencial de inovação das empresa, Mais recentemente, com o conceito de especialização inteligente, maior atenção é dada à massa crítica necessária a nível regional e à necessidade de se fazerem escolhas em matéria de política de inovação, contribuindo assim ainda mais para aumentar por parte dos investigadores a perceção de que se estão submetidos a uma agenda de investigação ditada pela utilidade a curta prazo dos seus trabalhos de investigação. Cada uma das partes apresenta os seus argumentos e por certo têm razões para tal. Reconhecemos, contudo, que em países como Portugal é necessário um compromisso entre investigação fundamental e aplicada, o que justifica alguma da reorientação introduzida pelas políticas de inovação implementadas ou em implementação.

Referência:

Caraça, João, Bengt-Ake Lundvall, Sandro Mendonça: The Changing Role of Science in the Innovation Process: From Queen to Cinderella? Technological Forecasting & Social Change, 2008.

Edição 2018