De acordo com o Tratado da União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE), entidade que é responsável pela condução da política monetária da
João Loureiro
Professor da Faculdade de Economia do Porto e da Porto Business School
De acordo com o Tratado da União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE), entidade que é responsável pela condução da política monetária da Área do Euro (AE), tem como principal objetivo garantir a estabilidade dos preços pagos pelos consumidores na aquisição de bens e serviços. Estabilidade de preços não é, normalmente, interpretado como significando uma taxa de inflação zero, mas antes uma taxa de inflação com valor relativamente baixo.
No caso do BCE, este definiu 2,0% como o valor de referência a observar no conjunto da AE.
Até há alguns meses, o BCE considerava que o objetivo estaria a ser cumprido se a taxa de inflação da AE se cifrasse num valor “abaixo, mas próximo” de 2,0%.
Mais recentemente, o BCE alterou um pouco o “wording” do objetivo, o qual é agora considerado como cumprido desde que a taxa de inflação se cifre “à volta de” 2,0%. Este novo enunciado permite que a taxa de inflação se cifre, temporariamente, tanto acima como abaixo do valor referência.
Tal como tem acontecido em outras economias, recentemente a taxa de inflação da AE aumentou substancialmente. A taxa homóloga era em dezembro de 2020 de -0,3%, estimando- se que, em novembro de 2021, registe o valor de 4,9%, tendo subido consistentemente desde o passado mês de agosto.
Face aos dados mais recentes da inflação e ao desvio significativo que se observa face ao objetivo de 2,0%, poder-se-á perguntar porque é que o BCE ainda não tomou qualquer iniciativa de política monetária para inverter a situação.
A explicação é simples: porque os bancos centrais não devem reagir à inflação observada, mas antes à inflação que estimam que possa ocorrer no horizonte de 12 a 18 meses. Porquê? Porque aquele é o período de tempo que, normalmente, demora até que se observem os efeitos de alterações da política monetária. Por conseguinte, o BCE pode argumentar que, mesmo sem tomar qualquer iniciativa, daqui a um ano, ou um pouco mais, a taxa de inflação da AE terá voltado a cair para as proximidades de 2,0%. Isto é, pode considerar que estamos a observar fenómenos que fazem subir temporariamente a inflação, mas que tais fenómenos se dissiparão muito rapidamente e a inflação voltará para valores “normais”.
Contudo, não é garantido que assim seja. Em particular, se a inflação que se observa no mercado de bens e serviços se transmitir ao mercado de trabalho (isto é, se os salários começarem a indexar à taxa de inflação), é muito provável que fenómenos que até podem ser temporários, acabem por ter impactos duradouros.
Se a inflação alta persistir, não restará ao BCE outra alternativa que não seja “normalizar” a política monetária, isto é, terá que subir as taxas de juro do euro e deixar de criar tanta moeda, em particular por contrapartida da aquisição de títulos de dívida pública dos Estados- membros. Mas, nesse caso, os países com agentes económicos (Estado, famílias e empresas) muito endividados vão ter problemas. Esse é, infelizmente, o caso de Portugal.
Edição 2021
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